quarta-feira, 2 de julho de 2008

QUEM SOU EU ?

A primeira proposta aos participantes da atual oficina Escrevivendo Memórias será que cada um crie seu próprio blog ,inserindo -se, desta forma, no ciberespaço. Partindo de uma espécie de autobiografia em 'Quem sou eu'(perfil),este será o início de atividades nas quais trabalharemos alguns gêneros literários e tipos de discurso. No espaço virtual ,onde diversas linguagens como imagem, som e texto convivem harmoniosamente, reconstruirão sua memória e reconhecerão,com a participação do Outro tanto fisicamente quanto nas redes do ciberespaço, em que fase do processo pessoal da escrita se encontram.E onde querem chegar.

10/05 Nosso primeiro encontro foi bastante produtivo ,pois fizemos uma dinâmica de apresentação na qual fomos "descobrindo" uns aos outros. Falamos, ainda que sem aprofundamento, sobre o ciberespaço e da possibilidade da criação de um blog pessoal para cada escrevivente.Fizemos também a leitura do belo conto Borges e Eu ,de Jorge Luis Borges, para, além de discutirmos questões como a de autoria e recepção de um texto, buscarmos inpiração para a construção de textos próprios. Um novo "Quem sou eu?" para a abertura do blog, desta vez revelando mais que dados sobre a idade, profissão e atividades que gostamos de fazer.

Expor um "eu" muitas vezes esquecido e mascarado por rótulos (músico, jornalista,pai, avó) mas que, num tempo subjetivo, existe e dá suporte ao nome que nos identifica, percebemos não ser fácil. A escrita é uma das tarefas mais complexas que as pessoas chegam a executar na vida, principalmente por exigir envolvimento pessoal e revelação de características do sujeito.

17/05 O segundo encontro foi dedicado às leituras dos textos produzidos e às conferências sobre como o conteúdo do tema "Quem sou eu" estaria equilibrado com o conteúdo da forma ou gênero textual predominante: um relato autobiográfico mesclado de descrições,exposição de idéias, argumentações e poesia.O próximo passo será o trabalho da troca das produções em duplas.

Enquanto isso...lembrem-se: o texto exige diversas releituras para a reescritura e revisão antes de ser considerado satisfatório.Ao revisar o texto, você terá a oportunidade de reconsiderar uma série de decisões tomadas no início da produção.Releia o texto várias vezes, de forma distanciada, tentando tomar o lugar do leitor, como se você não fosse o redator.

Às vezes, trata-se de cortar termos repetidos e simplificar frases longas demais ou truncadas, suprimir palavras, pronomes, adjetivos ou advérbios que pouco ou nada acrescentam ao texto.Com isso, torna-se mais legível e de acordo com as exigências da língua padrão, segundo Lucília Helena Garcez, em Técnica da Redação(2004),texto base de nossa oficina de leitura e escrita.

Além disso, cuidado com clichês , frases feitas, expressões coloquiais inadequadas . Analise também se as decisões e realizações estão de acordo com o objetivo estabelecido inicialmente, pois as primeiras versões costumam trazer divagações, "gorduras" enfim.

Finalmente(por hora), um alerta sobre a principal dúvida de todos os redatores: o uso das vírgulas.Ela não serve apenas para marcar pausas ou momentos de respiração, como se acredita no senso comum.É principalmente um fator sintático, já que une e separa elementos de uma oração, ordenando-os de forma lógica. É preciso memorizar que não se usa vírgula entre o sujeito e o predicado, nem entre o predicado e seus complementos. Ex:
Paulo entregou o texto a Joana ontem na sala subitamente.
(sujeito+ predicado+ complemetos= ordem direta da oração).A vírgula surge quando há inversão da ordem direta da oração.

24/05 Nosso terceiro encontro teve início com uma pequena conferência entre os participantes sobre conceitos como coesão, coerência e como seria um parágrafo padrão. Em seguida foi feita uma dinâmica em duplas ,para que um comentasse o texto do outro, observando ,principalmente, se havia coerência na organização das idéias, coesão e o bom uso do parágrafo, de forma que nos fossem fornecidas "pistas lingüísticas" para melhor compreensão do texto. Nosso objetivo é treinar o olhar crítico do Escritor para que possa vir a ser o 'Outro': o Leitor crítico de seus próprios textos.

Durante o intervalo, Edu deu algumas dicas aos escreviventes sobre como abrir um Blog. Muitas dúvidas pairaram no ar, mas ,lentamente,os blogs estão sendo criados ou reativados.Tem rosinha, tem de bolinhas, tem Techos e Trecos, tem de tudo!.

Para o final,deixamos o melhor: relatos sobre origens de família (incluindo alguns segredos e traições logo de saída!).

Vovó Neuza veio com uma mala cheia de árvores geneológicas que produziu por meio de diversos recursos materiais e midiáticos. Já era uma promessa e um sinal de quão interessante seria sua palestra sobre Memórias no quinto encontro:aguardem!

31/05 Quarto dia:o famoso dia da cozinha! Algo inusitado e que, acompanhado de um cheiroso cafezinho oferecido pela querida Elisa,fez com que as leituras e relatos sobre nossas origens e nossos familiares tomassem a dimensão de uma emoção ímpar. Viver a experiência da pele arrepiada,da lágrima por cair, do toque da linguagem: a palavra do Outro fazendo sentido em nós!

Dialogando,construindo e reconstruindo nossos discursos, pudemos ouvir ,
freqüentemente, a presença e a voz do Outro nos próprios escritos. A esta polifonia, Sandra nomeou 'pacto de sangue'...

07/06 O quinto encontro foi uma festa animada!A blogueira Neuza, participante do Escrevivendo dois anos seguidos, nossa convidada e expert sobre Memórias, deu um show de simpatia e abriu seus bauzinhos e bauzões de 'souvenir' para os escreviventes.Tudo isso acompanhado de impecável apresentação do tema em power point, bolos,castanhas e boa música: perfeito!

Obs: combinamos de continuarmos este módulo em julho(informalmente). Daí, vovoneuza@blogspot.com assumirá o comando: visita ao centro antigo e produções de textos sobre memórias olfativas, auditivvas, etc, já foram propostas.

14/06 Sexto dia: nossas três horas foram 'saboreadas'(agora na edícula da Casa das Rosas) com as leituras sobre receitas de família e suas lembranças. Os Tomates Sentados da Bruna; a beringela parmeggiana(?)da nonna da Concha e outras receitas como a torta de frango do Sr.José e os 'Pirag' da Marlene, que ainda serão lidos.

Com suas produções em mãos, pude comentar ,por meio de exemplos reais, algumas construções sintáticas e semânticas problemáticas , além de lembrar regras do uso da vírgula e dos diversos modos e usos dos 'por/quês'.Apesar de sentir-me mesquinha ao desviar a atenção da construção da ordem das idéias e seu entrelaçamento no texto(nosso objetivo primeiro), creio ser fundamental dar este retorno ao redator para que se posicione em seu processo de escrita.Recomendo SEMPRE que adotem uma boa gramática ,além do fundamental "Uso da vírgula" (v.bibliografia).

Para dar uma 'relaxada',começamos a falar sobre nossas 'memórias zoológicas', inspirada que fui por Sylvia Orthof e seu livro ' Os bichos que tive'(1983) .

Semana que vem:filminho surpresa!

21/06 Morangos Silvestres(1957). Este foi o filme prometido para o coroamento de nossas reflexões sobre memórias . Do suéco Ingar Bergman,a obra trata da infância, do (des)amor, da solidão e da morte....

Em nosso último encontro deste módulo (28/06), leremos os textos sobre as memórias zoológicas...e depois.... comemoraremos nosso 'pacto de sangue' com uma 'carinhosa feijoada' oferecida pelos amigos Ana Maria e Roberto Dupré!!!


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Borges e Eu

O outro, o que chamam Borges, é aquele a quem as coisas acontecem.
Caminho pelas ruas de Buenos Aires e paro por um momento,
talvez algo mecânico, para olhar para o arco de corredor
e para a ferraria elaborada no portal;
sei de Borges pela correspondência,
vejo seu nome numa lista de professores ou num dicionário biográfico.
Gosto de relógios de areia, mapas, tipografia do século dezoito,
o gosto do café e a prosa de Stevenson;
ele compartilha dessas preferências,
mas de um jeito vaidoso que as transforma em atributos de um ator.
Seria um exagero dizer que o nosso relacionamento é hostil;
eu vivo, me permito continuar vivendo,
de forma que Borges possa produzir sua literatura, e sua literatura me justifica.
Não é nenhum esforço para mim confessar
que ele tenha atingido algumas páginas de valor,
mas estas páginas não poderiam me salvar,
talvez porque o que é bom não pertença a ninguém, nem mesmo a ele,
mais provavelmente à língua e à tradição.
Além disso, meu destino é perecer, definitivamente, e somente algum instante de mim pode sobreviver nele. Pouco a pouco, dou tudo a ele, apesar de totalmente consciente de seu costume perverso de falsificar e aumentar as coisas. Spinoza sabia que todas as coisas anseiam persistir sendo o que são; a pedra quer eternamente ser uma pedra e o tigre um tigre. Permanecerei em Borges, não em mim mesmo (se é verdade que sou alguém), mas reconheço menos de mim em seus próprios livros do que em outros muitos ou no hábil dedilhar de um violão. Anos atrás tentei me libertar dele e fui das mitologias aos subúrbios aos jogos como se dispusesse tempo infinito, mas estes jogos agora pertencem a Borges e eu tudo perco. E tudo pertence ao esquecimento, ou a ele.

Não sei qual de nós escreveu esta página.
Jorge Luis Borges

BORGES, Jorge Luis. Borges e eu. In: O fazedor. São Paulo: Difel, 1985